
Gengibre, feijão preto, abacate, quinoa, kiwi. São muitos os sabores que hoje fazem parte da alimentação dos portugueses e que há 40 anos eram praticamente desconhecidos da maioria da população.
Texto de Joana Capucho
Quando o Alcântara Café abriu, nos finais da década de 1980, o salmão fumado tinha de ser comprado na Bélgica, porque não se vendia em Portugal. “Até o manjericão tinha de mandar vir de lá. Para além da salsa, dos coentros e da hortelã, era muito difícil encontrar outros tipos de ervas aromáticas.” Recordações do chef Vítor Sobral, que por lá passou, aos 20 e poucos anos. Hoje, há ervas aromáticas para todos os gostos na casa dos portugueses, mas nem sempre foi assim.
“Ou se apanhava o que era espontâneo no campo, como o rosmaninho e o alecrim, ou não se conseguia ter. Houve uma altura em que comecei a semear”, lembra Vítor Sobral, destacando que “era impensável encontrar poejos, hortelã-da-ribeira ou manjericão” à venda. Sabores que, de certa forma, vieram “transformar” a alimentação dos portugueses, já que conseguem “dar uma vida diferente aos pratos”.

Um marco importante na entrada de novos sabores em Portugal foi “a vinda de pessoas que estiveram nos países de língua portuguesa, como Angola, Moçambique, Cabo Verde e Brasil”. Refere-se à chegada de gengibre, mandioca, quiabo e feijão preto – alimentos que hoje fazem parte da dieta de muitas famílias. Mas se há algo que conquistou os portugueses foi a rúcula: “Arrisco-me a dizer que já é tradicional.”
Rui Paula estima que a rúcula, originária do Mediterrâneo e da Ásia, tenha entrado em Portugal há cerca de duas décadas. “Chegou a um ponto em que toda a gente servia rúcula”, recorda o chef. O sabor amargo suave, que equilibra muitos pratos, conquistou os portugueses. “Mas depois também abusaram”, conta, destacando que atualmente é usada “com mais parcimónia” – e sobretudo em saladas, sandes e wraps.

Do ponto de vista nutricional, Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, explica que “a rúcula se destaca pela riqueza em água – cem gramas de folhas fornecem apenas 29 kcal”, sendo também rica “em vitamina A, igualmente importante para o normal funcionamento do sistema imunitário”. Além disso, é “um dos hortícolas de folha verde com maior teor em folatos, um micronutriente importante para mulheres em idade fértil”.
Seguindo as recomendações da Roda da Alimentação Mediterrânica, que sugere a ingestão de três a cinco porções de hortícolas por dia, a nutricionista diz que a rúcula pode ser incluída na alimentação diária.

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Voltamos ao salmão, que, segundo Rui Paula, “entrou perfeitamente na dieta dos portugueses com o boom do sushi e do sashimi“. É servido cru, marinado, fumado e cozinhado. “É muito versátil, saboroso. E não é muito caro”, sublinha.
Embora a massificação do salmão seja relativamente recente, este já se encontrava em Portugal há algumas décadas, mas era um alimento “de um certo luxo”. Quem o diz é Fátima Moura, autora de vários livros na área da gastronomia: “Havia salmão selvagem à venda, mas era caríssimo. Só para as elites. Hoje é um alimento muito vulgar, quase tanto como o bacalhau.” Mas o que lidera é o de aquacultura e da Noruega, vendido “a um preço muito baixo”. Poucas espinhas, gordura e sabor fazem dele um peixe adorado por crianças e adultos.
Hoje, come-se papaias, mangas, abacates e quinoa como se fossem nossos, “mas têm uma pegada de carbono brutal”.
Nos anos 1980, recorda a investigadora, dá-se “a abertura da cozinha portuguesa ao mundo”, pois é “quando começamos a sentir a globalização”. Até então, conta, “havia poucos frutos e legumes em Portugal, mas nessa altura começaram a entrar alimentos de todo o mundo”. Isso também trouxe coisas menos boas, lamenta. Hoje, come-se papaias, mangas, abacates e quinoa como se fossem nossos, “mas têm uma pegada de carbono brutal”.
Se há algo que se tornou nosso foi, sem dúvida, o kiwi, que começou a ser produzido no final dos anos 1980. Em 2018, adianta Alexandra Bento, “a produção nacional alcançou 34,1 mil toneladas, a segunda maior de sempre (apenas superada em 2017, com 35,4 mil toneladas)”. Com pouco mais de três décadas de kiwicultura em Portugal, “o kiwi conquistou o seu espaço na alimentação dos portugueses, pelo seu valor nutricional, designadamente a riqueza em vitamina C” – é o fruto mais rico nesta vitamina. E, tal como a rúcula, também possui folatos em abundância.
“As características do solo e do clima português (elevado número de horas de sol) aliadas às técnicas de produção agrícola, bem como à sua colheita tardia, permitem que o kiwi nacional seja colhido “maduro”, apresentando, por isso, características superiores no que respeita ao seu sabor (mais doces e aromáticos)”, indica a bastonária. Para retirar os maiores benefícios deste fruto, o consumidor deve privilegiar a produção nacional, que está à venda desde meados de novembro até ao final de março.